Dupla

27/09/2014 22:13

"Homem algum é uma ilha" afirma o teólogo e pensador Thomas Merton. De fato, muito tempo antes dele o Grande Arquiteto do Universo, na sua imensa sabedoria, após ter criado todo o universo, então disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os grandes animais de toda a terra, sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão e sobre toda a terra". O Homem vivia no Éden, deu nome a todos os seres vivos, porém não tinha com quem compartilhar toda a alegria de um jardim tão perfeito. "O Senhor adormeceu o homem em sono profundo e enquanto dormia tomou-lhe uma costela e fez uma mulher a qual o Senhor levou para junto dele. O homem e a mulher estavam nus e não se envergonhavam". Estava então criada a primeira dupla da história.

Em 25 de abril de 1917, o escritor Daniel Defoe, nos brinda com as histórias de uma das mais famosas duplas dos livros de aventura, em que o Robson Crusoé, náufrago em uma ilha aparentemente deserta, começa sua luta para sobreviver. Após construir um barco para tentar sair da ilha e não conseguir nem tirá-lo do lugar percebe que sozinho será muito difícil fazer algo por si mesmo. Apesar das muitas tarefas a que se impunha para não ficar desestimulado, faltava com quem compartilhar as suas experiências, até que encontrou um nativo com quem fez amizade e o batizou de Sexta-Feira. E pensa que agora ficaria mais fácil construir outro barco e arrastá-lo.

Nas literaturas dos quadrinhos e em desenhos infantis, temos exemplos de vários duplas, como Batman e Robin, Supergêmeos, Zé Colméia e Catatau, Scooby e Salshicha, além dos duplas múltiplos, como Quarteto Fantástico, Sr.Incrível e família, X-Man, Caverna do Dragão e muitos outros.

Esses exemplos são para pontuar que não existimos sozinhos, precisamos do outro, precisamos da troca, do contato, do cuidado e de cuidar. No filme o Náufrago, o personagem Chuck Noland deixa isso bem claro quando ele cria um personagem fictício, Wilson, na verdade uma bola em que ele desenha um rosto e com a qual conversa. Um dupla???

Definitivamente o mergulho é uma atividade gregária, um acontecimento social, um encontro de pessoas com um mesmo fim. Nas palavras de Jacques Yves Cousteau temos a verdadeira essência da atividade de mergulho e do dupla: "E em duplas, passamos a ter equipes, e estas passam a ser cada vez maiores e mais unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos mesmo que não nos conheçamos. E esse elo que nos une é maior que todos os outros que já encontramos. E isso faz com que nós mais do que amigos, sejamos irmãos. Faz de nós, mergulhadores."

Entre os princípios básicos da atividade de mergulho, está o de não mergulhar sozinho, porém não basta ter alguém que o acompanhe durante as imersões. Isto não é o suficiente para se caracterizar um dupla. Isto é apenas um parceiro de mergulho. Dupla é aquele com o qual contamos em qualquer caso de necessidade. Ele é a nossa maior redundância em se tratando de mergulho autônomo. E o que temos visto, é que a necessidade nem sempre é a emergência propriamente dita; aliás, o que vemos na maioria das vezes é a solicitação de auxílio para montar o equipamento, para vesti-lo, para subir a bordo, preocupação quanto ao ar gasto, direção a seguir, o tempo de fundo e outras tarefas próprias da atividade. Raríssimas vezes vimos uma emergência onde o dupla poderia ser a diferença entre um incidente e uma tragédia.

Cada pessoa é única e como mergulhadores também temos habilidades, conhecimentos, treinamentos, objetivos e gostos diferentes. Portanto, dificilmente iremos encontrar um mergulhador igual a nós e é nessa hora que precisamos ter flexibilidade para nos adaptar a situação e conseguir fazer o melhor. Paciência para conversar e conversar até chegar ao ponto que agrade a todos, permitindo um mergulho prazeroso.

O bom senso é a base para o planejamento do mergulho e para mantê-lo dentro dos limites de segurança sendo estabelecida nas conversas antes de entrar na água os objetivos e parâmetros. Será sobre está base que as decisões serão tomadas no decorrer da atividade. Quanto melhor for a qualidade da conversa entre a dupla, melhor será a qualidade das decisões tomadas.

Descobrir os interesses do dupla e deixar claros os seus, pode evitar muito estresse no fundo do mar. Imagine que você está procurando moréias e tartarugas enquanto seu dupla fica parado numa mesma pedra observando um nudibranquio, porque ele quer fotografar no melhor ângulo; ou então  você quer fazer um passeio tranqüilo e o seu parceiro prefere fazer uma passagem em outro local.

Saber onde seu dupla está e manter contato visual regular com ele é fundamental para manter a sintonia que já foi estabelecida no bom entendimento que começou no barco. O ideal é que você e seu dupla consigam se ver com um simples movimento de rotação da cabeça. Ter que olhar para cima ou para baixo ou até mesmo parar e girar ao redor constantemente significa que você e seu dupla não estão mantendo um posicionamento confortável um em relação ao outro. Também não é agradável ter alguém entrando na sua frente ou batendo em você, principalmente se o dupla estiver fotografando. Procure então compartilhar o mergulho, chamando seu dupla para olhar um determinado peixe ou um cavalo marinho.

É importante lembrar que não somos melhores, nem piores, somente diferentes e por isto, buscamos o prazer de mergulhar. Ser um bom dupla depende de humildade e do entendimento de ambos. Lembre-se, o mergulho é uma ótima maneira de conhecer pessoas, fazer amigos e estabelecer relacionamentos que podem durar a vida toda, pois é uma atividade gregária e social praticada entre irmãos mergulhadores. Portanto, não se preocupe em não ter um dupla;  isso não é um obstáculo porque uma vez mergulhador, ninguém está sozinho. A atividade de mergulho é muito segura e prazerosa; passamos muitos momentos agradáveis que irão durar para sempre na memória, assim como as imagens nas nossas retinas.